«Se um católico aceitar a liberalização do aborto incorre na censura da excomunhão. (...) Se votar ‘sim’ poderá estar também a cometer um pecado mortal gravíssimo». Sabem quem é o autor desta..., digamos para não ferir ninguém, ‘antiguidade?
Nada mais nada menos que o nosso professor de Religião e Moral quando frequentamos o então ciclo preparatório em Castelo Branco: cónego Tarcísio Alves que hoje oficia em Castelo de Vide.
Se hoje somos pouco fadados para a música devemo-lo ao senhor padre Tarcísio e às suas peculiares ‘pedagogias’ musicais. O senhor padre era muito ecléctico. Além da música e da religião e moral escrevia umas crónicas de pendor histórico no jornal Reconquista, que como se sabe é propriedade da fábrica da Igreja. Já na altura não gostávamos muito das suas contribuições para a história local. A passagem do tempo confirmou-nos essas dúvidas. Com efeito, ao contrário de outros padres albicastrenses, como foi o caso do saudoso senhor padre Anacleto Martins ( a ele dedicaremos um post), as incursões históricas do padre Tarcísio possuem um diminuto ou nulo valor. Inscrevem-se, é verdade, numa antiga tradição desenvolvida por um determinado segmento da erudição católica: a cópia, a invenção, o plágio mais ou menos suave, mais ou menos lateralizado. Enfim, hoje só as lê quem quer. De entre as suas contribuições ficou célebre a edição, em meados dos anos setenta, do folheto «O Santuário de Nossa Senhora de Mércoles”, templo mariano de grande devoção albicastrense. Não imaginam a dificuldade que tem havido em modificar a opinião do colectivo face ao que aí então se escreveu. O texto do senhor padre Tarcísio passou a ‘tradição” bibliográfica local. Ainda no último ano, o vimos à venda, numa fruste reedição fotocopiada, durante a romaria. Também é verdade que só compra quem quer esta relíquia da historiografia de Castelo Branco.
Quanto à frase que inicia este post, fazemos nossas as palavras de historiador Rui Tavares, publicada, no último sábado, no jornal Público: « Colocadas no seu contexto, são ameaças sérias – caso contrário, a chantagem não funcionaria-, além de ilegais se forem repetidas em período oficial de campanha». E acrescenta: «Já agora, note-se a má-fé do cónego. O que o Código Canónico diz sobre a excumunhão «automática» pode apenas aplicar-se a quem estiver envolvido num aborto (...) e não tem absolutamente nada a ver com votar sim no referendo, até porque muitos cristãos votarão sim (...) E digo apenas má-fé porque não se pode supor tão oportuna ignorância por parte de um doutorado em Direito Canónico por Salamanca.» Cá os do bando andávamos confudidos e, sinceramante, mais a tender para a abstenção. Esta ameaça vinda do senhor cónego ajudou-nos a decidir. Bem haja senhor Cónego por nos iluminar.
Naqueles tempos da infância, o senhor professor padre Tarsício Alves também estava presente nas nossas brincadeiras. E dizíamos: «Não sejas como o padre Tarcísio que te dá na cabeça quando é ‘precisio’». É que o senhor padre quando as coisas não lhe corriam de feição tinha a péssima mania de aplicar as suas grossas falangetas nas nossas cabeças. Doeram-nos agora muito mais estas suas desbocadas palavras.