(Foto do site da Junta de Freguesia de Castelo Branco)
Há coisas que por todo o ridículo e caricato que as envolve, não merecem que se lhes dê importância. Tal é o caso da atribuição do nome Clemente Mouro a uma área do monumento conhecido como Casa do Arco do Bispo, situado na antiga Praça Velha, coração da antiga zona medieval da cidade de Castelo Branco. Contudo, como estamos perante uma grosseira manipulação e apropriação por parte do poder politico do nosso património colectivo resolvemos manifestar o nosso completo desagrado por essa atitude. Atitude duvidosa, de evidente mau gosto e, acima de tudo, culturalmente pouco ou nada sã.
Primeiro: O que é a casa do Arco do Bispo? É uma notável construção edificada em meados do século XIII. Possui uma história muito interessante devido à fixação neste monumento do nome Bispo que nos remete para uma primitiva construção episcopal que aí terá existido antes da construção do palácio episcopal
A estrutura foi sendo, ao longo dos tempos, acrescentada e modificada ao sabor dos gostos das épocas. De primitivo, ainda restam alguns elementos góticos. Este elemento patrimonial da cidade foi sofrendo todas as incúrias que se abateram sobre o bairro do Castelo desde o século XIX até hoje. Apesar do Arco do Bispo aparecer na postalização turística da cidade, o edifício envelhecia. Na década de 90, por empenho da Câmara Municipal e sob a orientação dos seus arquitectos, a casa entrou em obras. Aí seria sedeada a Junta de Freguesia ideia que foi, mais tarde abandonada. Este órgão autárquico, a partir de 7 de Janeiro de 1994, começou a ser presidida pelo Sr. Clemente Mouro, antigo inspector da CP, que acompanharia com interesse o renascimento da casa. Diga-se, em abono da verdade, que as obras não foram muito felizes nos domínios patrimoniais. Bem pelo contrário. Mas, enfim, pelo menos não caiu que era o seu destino mais certo. Na fachada do edifício lá está a inscrição comemorativa deste interesse pelo monumento: "CASA DO ARCO DO BISPO / EDIFÍCIO MEADOS DO SÉCULO XIII / RECUPERADO EM 1994 / 1996 / PATRIMÓNIO DA / JUNTA DE FREGUESIA DE / CASTELO BRANCO".
Deviam ter sim epigrafado PATRIMÓNIO DA CIDADE. Mas não imperou o colectivo. Afinal a Junta era do PS e a Câmara do PSD… Tal como hoje, a refuncionalização deste equipamento foi muito pouco definida quanto aos seus objectivos. Resolveram, e bem, introduzir no equipamento uma componente mais cultural e social, mas sem qualquer lógica. Durante a gestão do Sr. Mouro viveu-se na casa um pouco de tudo, sempre num misto de ex-Casa do Povo com salão de associação de bairro. De vez em quando, aí teve lugar uma ou outra exposição mais interessante, mas… O consulado do Sr. Mouro durou até 30 de Outubro de 2005 e a Casa do Arco do Bispo foi-se degradando a olhos vistos. Já tinham passado os entusiasmos da década anterior. Até hoje. Aliás esta degradação já aqui tinha sido apontada pelo nosso amigo Stalker quando se indignou pela situação de abandono aquando da exposição de pintura que aí teve lugar em Dezembro último. Já agora, e a bem da verdade histórica, relembramos que a “luta” em prol de uma patrimonialização do Arco do Bispo foi algo que começou alguns anos antes. Relembramos aqui três nomes (há mais…): O Dr. Joaquim Moreira, o Dr. António Pires Nunes (enquanto membros da extinta associação de defesa do património ARCINPE e o saudoso Cónego Anacleto Martins. Quem quiser pode confirmar o que dizemos, consultando os arquivos da imprensa local. Olhem que vale a pena…
Resolveu, agora, o Sr. Presidente Jorge Neves crismar a galeria da Junta com o nome Clemente Mouro. E porquê?
Lê-mos na Gazeta do Interior, de acordo com o presidente da Junta o que se pretende é, e citamos: “ homenagear o cidadão que mais tempo dedicou à causa pública como presidente eleito desta autarquia”, acrescentando que “Clemente Mouro foi um cidadão de corpo inteiro que desde 7 de Janeiro de 1994 até 30 de Outubro de 2005, demonstrou grande empenhamento na vida pública, que merece ser assinalado oficialmente pela autarquia à qual se dedicou de forma exemplar e abnegada”.E são estas as razões. A proposta levantou celeuma e não foi nada pacífica junto das bancadas do PSD e do BE que votaram contra cada qual pelas suas razões. Partidarizou-se, assim, algo que é um bem público, dentro de um monumento classificado. O problema não está no Sr. Clemente Mouro que é uma pessoa de bem, pois claro. O problema está sim na atitude, na manipulação e aproveitamento da memória cultural da cidade. Diz o Presidente Neves que Clemente Mouro foi um cidadão de corpo inteiro enquanto exerceu as suas funções politica durante 11 (onze) anos. Ninguém duvida. Mas, e depois? O Sr. Mouro tanto como todos aqueles que foram democraticamente eleitos em trinta e tal anos de poder local. E antes disso? Não o era? Não o é? Que se dedicou de forma exemplar e abnegada à causa pública. Era só o que faltava se não o tivesse feito. E o que é que esses comportamentos políticos possuem de notável? Expliquem lá. Pagou do seu bolso as obras da casa do Arco do Bispo? Doou, alguma vez, o seu salário de Presidente de Junta à Santa Casa da Misericórdia? Foi algum mecenas encoberto das artes, das belas claro? É pintor, escultor, artesão? Então?
Trata-se de uma galeria de arte, não de um salão de convívio. Até entendíamos se atribuíssem o nome do antigo presidente Clemente Mouro a uma área da casa mais relacionada com actividades lúdicas. Era justo. Como se pode ler no boletim da Junta de Freguesia da nossa cidade, a equipa formada pelo actual e o anterior Presidente, ganhou o segundo prémio da XII edição de um torneio de sueca. Cá está. Se tivesse sido “Sala de jogos Clemente Mouro” teria havido coerência e continuidade funcional.
(Retirado do semanário Gazeta do Interior)