Hoje é o Dia Internacional da Poesia. Editamos, e não nos vão levar a mal pelo facto, um magnífico texto retirado da revista Viver de autoria de Elsa Ligeiro, editora, animadora e impar divulgadora dos valores culturais da Beira. Substituímos do título original, a palavra Cultura pela palavra Poesia. Desculpem o arrojo Se tivesse colocado economia é que sería grave. À Elsa Ligeiro, a quem dedicaremos um próximo post, um grande bem-haja por nos relembrado toda a profundidade associada às paisagens e a todas as pequenas e grandes coisas destas terras do rei Wamba pela pena de dois dos ‘nossos’ poetas.
«Em qualquer parte do mundo o valor da cultura é inalterável e aumenta com o tempo. É ela que diferencia, acrescenta, e comunica com parte importante do futuro, através da memória. Cada região só se afirma através da sua cultura. No campo económico ela pode competir melhor, ou pior, segundo capacidades apreendidas, seja através da formação, seja da inovação, mas em moldes perfeitamente uniformizados e adquiridos. Só no campo cultural a sua história, a sua geografia, a sua memória, a sua capacidade de preservar de preservar uma identidade são uma riqueza única que não encontra qualquer campo de confrontação. É por isso que hoje regiões que apostam eficazmente na cultura, ancestral e única, têm uma forte fonte de rendimento, trabalho e de desenvolvimento. (…) No campo literário, e na Beira Baixa, há todo um mundo de possibilidades por realizar. É através da língua que chegam as histórias de mouras, bruxas e lobisomens e as lendas de encantar.
Jaime Lopes Dias dedicou parte da sua vida à recolha e fixação em texto desses prodígios de invenção que são os contos, as lendas e as crenças populares, especialmente as da Beira Baixa.
É graças ao seu trabalho laborioso e apaixonado que temos hoje ao dispor, em qualquer biblioteca, parte do reino maravilhoso dos lugares, dos nomes de localidades e de devoções ainda hoje cumpridas religiosa e anualmente.
Este é um património da Beira Baixa que podemos partilhar com todos e das mais diversas formas. Um festival de tradição e criação oral, por exemplo, é uma das possibilidades que a nossa região ainda não desenvolveu.
E que dizer da Beira mítica que o Fernando Namora nos deixou?
E que criação espantosa de imagens da Beira nos dá a poesia de Eugénio de Andrade e António Salvado?
Diz Eugénio de Andrade no seu poema em prosa Infância:
Saio de casa para ver os estorninhos; não têm conta a esta hora da tarde, em revoadas sucessivas sobre as árvores. Quando a noite cai já estou de volta, o olhar atravessado por rápidos fulgores. A luz é tudo o que trago comigo, porque também eu tenho medo do escuro.
Escreve António Salvado no seu poema Manhã:
Manhã. Árvore aves tudo se acasala: / o ribeiro sussurra a madrugada, o sol insinuando nas ramagens / anuncia prazer felicidade. // E sorvo aquele aceno sequioso/ da mão amiga vinda ao meu encontro:/ a saudação é salvação e logo / o serenar das horas se prolonga. // O meu canto acetina de giestas, / veraneia na flor do rosmaninho – / e come pão de trigo ou de centeio / e bebe um terço d’água e dois de vinho.
Qual o valor do sol, da frésia, da urze, da giesta, do rosmaninho, depois da leitura da Poesia de Eugénio de Andrade e António Salvado? Incalculável. »
Elsa Ligeiro
Proprietária da Editora A Mar Arte e da produtora de actividades culturais Alma Azul