Numa edição do Polis Guarda, registamos o livro “Marcas –Mágico religiosas no Centro Histórico”. A obra apresenta os resultados da inventariação destas peculiares representações gráficas ainda hoje detectáveis nas ombreiras e nos vãos do edificado egeditano histórico. Trata-se, como aqui já foi abordado, de um fenómeno cultural comum a toda a faixa interior ibérica à volta do qual temos vindo a assistir ao surgimento de um campo teórico ainda muito incipiente. Ainda que as figuras cruciformes sejam anteriores a Jesus Cristo e já também conhecidas no mundo vetero-testamentário, foi o Cristianismo que afirmou a cruz como símbolo identificador da Nova Religião.
Assim, a marcação de uma cruz num determinado local pode ser compreendida como um elemento que reforça a cristianização desse espaço. É igualmente possível que o hábito da marcação de cruzes, sobretudo nas ombreiras das portas, independentemente da intenção de quem as lá colocou, seja um ritual de carácter mágico-religioso. A gravação de cruciformes atesta-se não só em espaços domésticos como também em lugares de forte sociabilidade. O símbolo cristão, e suas variantes esteve bem presente em todos o tecidos materiais das aldeias e cidades da Beira dita interior
Apesar da existência de cruzes gravadas em ombreiras de portas nas zonas históricas das comunidades urbanas e rurais constituir um dado adquirido e facilmente constatável, a história deste tipo de representações em tecidos consolidados constitui um campo de estudo ainda pouco desenvolvido em Portugal. O quadro do conhecimento das distintas realidades regionais é fragmentado, detectando-se inúmeros territórios por prospectar e inventariar. Por outro lado, a problematização deste campo simbólico tem sido amplamente alargado a partir dos estudos levados a cabo por Carmen Balesteros, persistindo, contudo, todo um conjunto de interrogações quanto a uma compreensão cabal das razões destas práticas epigráficas nos vãos das unidades domésticas.
No distrito de Castelo Branco, a primeira apreensão desta realidade cultural data do princípio do século XX e ficou a dever-se a Francisco Tavares Proença Júnior, patrono da Arqueologia da Beira Baixa. Na década de oitenta, o estudo e inventariação dos cruciformes albicastrenses foi relançado por mim a partir do conjunto das representações existentes na zona histórica de Castelo Branco, pioneiro trabalho agora em fase de reavaliação em colaboração com uma equipa de historiadores e de fotógrafos locais. Os resultados serão aqui editados a partir de Janeiro e no Blog O Albicastrense do meu amigo Veríssimo Bispo. No concelho do Fundão, este domínio patrimonial tem merecido a devida atenção e consequente valorização através dos trabalhos desenvolvidos pela equipa do seu GTL coordeando pela arquitecta Ana Cunha e pelo historiador Pedro Miguel Salvado, nomeadamente: “Um olhar com luz - Elementos cruciformes da zona antiga, Câmara Municipal do Fundão, 2005 Nos outros concelhos o assunto ainda não foi alvo de estudo apesar dos apelos nesse sentido do senhor arquitecto José Afonso, presidente da delegação de Castelo Branco da ordem dos Arquitectos. Estes grupos simbólico-gráficos assumem-se como uma importante matriz da identidade histórica das nossas comunidades, impondo-se por isso a sua inventariação e divulgação junto das populações como primeiro passo tendente à sua salvaguarda futura. É a tudo isto que os textos da historiadora Carmen Ballesteros e do arquitecto António Saraiva aludem. Quanto à relação entre “práticas judaicas” e este fenómeno gráfico fazemos nossas as palavras do arquitecto “Casual ou intencional?! Serão concerteza questões para reflectir...” Reflictam muito é o meu sincero desejo. e parabéns à Guarda por mais esta valiosa contribuição para a nossa bibliografia regional.